terça-feira, 2 de abril de 2013

Ele me beijou porque eu escrevia. Mas beijou na testa, beijou sentido. Me olhou nos olhos. Bastava mais um "Eu adoro seus textos" e eu já estava chamando um táxi para ir direto para o cartório formalizar o relacionamento.
Deu frio na barriga. Fiquei com medo, mas segui de mãos dadas. É diferente quando você se relaciona com alguém que escreve também. Pessoas que escrevem costumam conhecer mais a si mesmas e por isso se conhecem cada dia ainda menos. Ou vai ou raxa. Duas almas inqueietas que transformam alguns sentimentos em letras. Me soa como perfeição.
A princípio foi fácil compreendê-lo. Era doce. Poeta. Eu nunca fui boa com rimas e chorava largada nos improvisos sensíveis que ele fazia no meu pé de ouvido. Beijava firme, com gosto, com força. Os seus lábios, carnudos. Os olhos, grandes brilhos castanho-esverdeados. Ao olhar pra eles eu sabia que ele via a minha alma por ali, mesmo que eu não dissesse uma só palavra. Não existia a possibilidade - fingir.
Ele me via além dos parágrafos e pontos finais. Ele lia as entrelinhas, as vírgulas e até as inexistentes falhas de concordância. Sabia no meu passar de mãos se estava tudo nos conformes.
O "tal" que eu conheci em um dia chuvoso e aparentemente sem graça, me apresentou uma biblioteca particular de cair o queixo - e não era no iBook. Acho que li Chico Buarque umas quinze vezes depois dele. Adorava Vinícius e foram domingos agradáveis ouvindo Caetano. Teve um dia que eu tive certeza que ia morrer de amores.
Uma vez, na fila da padaria, um senhor disse que faríamos um bom cartaz do filme do ano. Pode parecer grosseiro, mas sabemos que é verdade. É bonito de se ver - eu e ele, ele e eu.
No fundo eu nem queria dedicar um texto inteiro. Só porque eu sei que ele vai ler, reler e me enviar um email com as frases que ficariam melhores se escritas de outra forma. E eu vou ficar P da vida porque é de coração. Digo desde já: nada que é criado com afeto permite correção. O mundo inteiro que me desculpe, mas não vai existir isso de eu não deixar sua marca na minha coletânea-de-textos-avulsos-inspirados-do-nada.
Até porque, convenhamos que ninguém mais no mundo vai me trazer três barras de Milka na calada da noite e CD's de MPB lacrados com etiqueta promocional das Lojas Americanas. Nem ninguém que recite frases minhas de cor e de olhos fechados porque aquele conjunto de palavras o tocou de algum modo. Muito menos alguém que depois de todas as minhas crises ainda vai querer olhar pra mim, passar a mão no meu cabelo e confessar que eu sou diferente de tudo o que ele já viu.
Nosso amor durou uma meia dúzia de semanas. Com direito a uma meia dúzia de abraços tortos depois. Uma meia dúzia de frases soltas. Meia dúzia de bombas de insulina. Era doce. Doce demais para minhas sofridas e naturalmente açucaradas veias vermelhas. Taí uma foto desfocada da janela do meu quarto pra provar. Ele sabe, eu sei, era bonito demais pra ir adiante.


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