domingo, 7 de setembro de 2014

Eu só tenho vinte e um, mas aquele papo das pessoas dizerem que eu estou ficando igualzinha a minha mãe e eu negar até o último já não faz sentido. Desde a minha irmã eu penso um pouco como mãe. Há uns 2 ou 3 anos eu tenho me visto repetir copiosamente caras e bocas e frases e gestos que muitas vezes eu não gosto. 
Mas o fato é que hoje cheguei da faculdade ja era 23h, e como faço todos os dias, beijei minha mãe e irmã que aparentemente já dormiam na cama. 
A Chrystal estava fingindo e antes que eu saísse do quarto ela revelou o segredo de estar acordada. Ela estava embaixo das cobertas, grudadinha na mamãe porque chovia e ventava muito. Moramos no 14o andar de um prédio no bairro mais alto da cidade. O barulho era muito e ela estava com medo, por isso já deitada.
Me deitei ao lado dela. Mesmo que eu estivesse desesperadente precisando dormir. Ainda que eu precisasse jantar e passar a roupa de amanhã. Eu deitei porque eu odeio a sensação de que estou perdendo vê-la crescer por sair às  6h e voltar às 23h todos os dias. E os poucos minutos que eu posso perguntar como foi seu dia, são os mais deliciosos de outras 17h já vividas.
Enquanto conversávamos, a melhor amiga dela enviou um áudio no whatsapp. A menina ganhou um celular da Samsung que a minha irmã quer muito. Ela imediatamente começou a chorar muito. Daquele choro sofrido, soluço. 
Num primeiro momento eu quis dar uns tapas nela e dizer que agora sim ela tinha motivo pra chorar. Mas eu entendi. Eu entendi porque quando eu era mais nova, qualquer coisa era tempestade - e ainda é algumas vezes rs.
Um segundo depois, eu involuntariamente revisei mentalmente minhas finanças e decidi que amanhã mesmo eu ia comprar o raio do Samsung. Mas como eu poderia dar imediatamente para uma criança de apenas 11 anos que tem quarto próprio, com móveis planejados exclusivamente para ela, com tv, computador, xbox,  que mora em casa própria, que vive financeiramente tranquila e que estava segurando em suas mãos outro aparelho Samsung, comprado há aproximadamente um ano? Como eu poderia mostrar a ela que a vida não vai nos dar todas as coisas que queremos assim? Foi aí que eu comecei a pensar que eu era minha mãe.
Falei sobre estar quentinha, sendo abraçada com todo amor, debaixo de um teto resistente em uma noite de muita chuva. Falei sobre ter tudo o que é necessário para uma vida muito mais que confortável. Falei até sobre não ser dinheiro, sobre ser uma questão de tudo ter seu tempo. Existem tantas outras coisas que valem absurdas vezes mais que um modelo novo de smartphone, eu disse. 
Mas ela não ouviu, como e tantas vezes não ouvi e só conseguia pensar secretamente na minha cabeça: ai mãe, você não entende!
Mas ela entendia sim. Entendia porque hoje eu consigo ver nitidamente o quanto mais valiosa é a minha família e os que eu amo do que todos os bens materiais que eu poderia querer.
Depois disso, eu comecei a chorar. Não porque a minha irmã de classe média quer um celular novo e eu não vou comprar porque eu preciso educá-la. Eu não estava chorando por vê-la chorar - embora doesse.
Eu chorei porque é inadimissível no meu cérebro pensar que existem pais e mães que chegam em casa e veem seus filhos chorar porque não tem comida. Ou porque não tem um tênis novo como o coleguinha da escola. Como pode suportar tamanho sofrimento? 
Quantas vezes na minha vida eu me peguei chorando porque eu não tinha algo supérfulo. Hoje eu posso agradecer imensamente por conseguir ter essa visão de "mãe" nas atitudes e situações da vida da minha irmã. 
Eu quero protegê-la do mundo. Mas tantas coisas eu sei que só aprendi depois de muito apanhar.
De todos os bens, nada importa sem a minha família, mesmo que eu odeie como eu imito sem querer as atitudes da minha mãe. Elas são tudo o que eu posso amar com maior intensidade na vida e no fundo, no fundo, eu quero muito ser como a minha mãe.

03 de setembro de 2014

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