Sábado. Eu não ia sair de casa porque estava sem grana. Mas era sábado e o carro tinha gasolina o suficiente pra ir pra longe. Não é o lugar pro qual costumo ir. Eu prefiro casa de amigos, cerveja, UFC, vídeo-game e umas boas risadas. Mas estava calor e eu fui pro bar. O motivo maior era a cevada, arrumar umas garotas e até, quem sabe, uma transa no fim da noite. Mais dois amigos e eu estávamos sentados em uma cadeira de montar de madeira, fazendo o pedido de sempre, sem abrir o cardápio, porque gosto de mostrar segurança até quando não existe ninguém que perceba. E era sábado, calor, um bar, música ao fundo, muitas pernas de fora, vozes, risadas e eu estava me divertindo. Até que, em um relance de olhar, percebi um rosto conhecido. Voltei a cabeça, olhei. Era ela.
Era você, a garota bacana que eu peguei por uns tempos. Foi o que eu respondi quando um dos meus amigos me perguntou o porquê da cara de fantasma. E eu me perguntei há quanto tempo não te via. Você emagreceu. Cortou o cabelo. Eu adoro mulheres de cabelo curto. Mas você fica melhor morena.
Ele te reconheceu, acenou e você e as outras quatro amigas estavam olhando pra minha mesa que ocupava apenas três caras tomando cerveja. Eu quis morrer. Queria te observar um pouco mais ainda. Absorver o fato de você estar a tão poucos metros de mim e eu não lembrar com certeza de pontos como é o seu beijo na boca. Mas eu levantei e cumprimentei a mesa toda antes de você, só porque adoro ver a sua agonia me observar pelo canto do olho enquanto me apresento com toda a simpatia existente no planeta suas amigas. Você me abraçou forte, mas fez como sempre: foi genérica a princípio. O seu cheiro. Egeo Dolce, mais uma respiração e eu estou me arrastando aos seus pés. Mas me mantenho na vertical, enquanto você já sentou mostrando que não tem muito interesse em conversar. Não sugeriu que juntássemos as mesas.
Você não usa aliança, mas tem unhas nas mãos, uma novidade. Está bem vestida, mas nem de salto alto consegue olhar nos meus olhos sem inclinar a cabeça. Eu mentalmente penso na roupa que estou e inevitavelmente na cueca que estou vestindo. Desculpe.
Pouco mais de uma hora depois e eu esqueci de que o dinheiro era pouco, eu havia bebido o suficiente. Vou falar com você.
Levantei e te chamei para me acompanhar para fora do bar enquanto eu fumo um cigarro. Eu fumo agora, sabia? Senti vontade de rir, pelos maços meus que você jogou fora. Você educadamente aceita, sem olhar para as amigas, nem perceber o olhar de desaprovação se levanta, ignorando minha mão que estendi para te ajudar. Você sempre foi muito auto-suficiente e eu tenho alguns problemas com isso. Me arrependi e você foi na frente. Lá fora puxou o papo, você sempre foi boa nisso. Brigou comigo pelo cigarro, disse que eu vou sumir se continuar emagrecendo e olhava nos meus olhos com uma profundidade que me deixou sem graça. O cigarro acabou. Você disse que precisa ir ao banheiro e ri, culpando a cerveja. Mas espera, você estava tomando caipirinha. Eu não digo nada e aviso que estarei te esperando voltar. Percebi que não existia urina nenhuma, mas você não pode perder a razão, então entrou e voltou alguns minutos depois. Mais tarde fui saber que você realmente foi ao banheiro, o que significa que não ouviu aquela sua amiga invejosa dizer pra você não dar mole porque eu sempre fui um cafajeste.
Mas eu fui um cafajeste? Eu não acho que tive tempo pra isso.
Você voltou. Tinha limpado o borrado do lápis preto no olho e direto ao ponto perguntou o que eu queria. Não foi agressiva, mas eu sabia, então, que já havíamos passado da etapa das formalidades. Os músculos não estão tão contraídos como quando eu te vi no início da noite. Estamos mais relaxados e eu não quis ir na ferida de uma vez. Pô, eu sinto a sua falta.
E você faltou avisar à presidência da república que eu estava passando vergonha com a risada que você deu. Me perguntei que porra eu fiz pra você e permaneci com cara de quem está falando sério, porque é verdade. Eu sinto sua falta. Você não respondeu um automático eu também, mas não foi gentil o suficiente de ser sutil na resposta. Você optou por ser convencida, usando sua famosa frase que "causa isso nas pessoas". Eu agradeci mentalmente por não ter sido deselegante. E eu me perguntei porque porra eu fiquei tanto tempo sem você. Fiz uma promessa que eu sabia que não cumpriria, eu queria te ver mais vezes. Eu nunca consigo te ver mais vezes, porque cada vez que ficamos juntos é uma descarga muito grande de informações para um corpo só.
Nós temos um lance, um caso, um rolo, um romance, um laço, um caroço, um espinho, o caralho a quatro, não sei, algo importante. Importante o suficiente pra não me deixar ficar porque morro de medo de que ficando, eu posso estar indo. Uma relação do tipo cem porcento reciclável. Porque a gente sempre dá um fim nela, mas sempre dá um jeito de voltar novinho em folha, em prantos, em chocolates, em letras, em músicas, em filmes, em contos, enfim, novinho. Você está há tanto tempo aqui, mas é tão jovem e recente te encontrar na mesa de um bar em uma cidade que nenhum dos dois vivemos.
Se alguém me pergunta o que você é, eu generalizo. "Uma garota que levei pra casa algumas noites na época do colégio", como se você fosse um mísero troféu de lata e não o verdadeiro troféu de diamantes que eu carregava nos mil boletos de táxi que a empresa pagava depois e que eu nunca consegui abrir o zíper da calça. Acho até que hoje se alguém te pergunta você é genérica também: "Um garoto que dei uns beijos." E fica por ali, sem ser gritado aos quatro ventos que ficávamos até o amanhecer pra se entender. E que você só me beijava depois do café da manhã. Ninguém fica sabendo quantas vezes eu gastei vinte reais da minha casa pra sua, às quatro da manhã porque você, em um impulso quase involuntário me disse que sentia minha falta. Ninguém vai saber que eu dispensei quatro ou cinco fodas pra ficar deitado na sua cama discursando sobre o que eu achei do que você escreveu no fotolog. Ninguém vai saber que eu tinha uma namorada, mas você pediu pro seu vizinho me buscar às três da manhã pra ver um Eclipse e que depois nós assistimos uma temporada inteira de Two and a Half Man. Nem que você dormiu na minha casa uma vez, mas foi trancada no quarto enquanto eu lavava a cozinha. Não, ninguém vai saber. Nem vão desconfiar que uma vez eu briguei com você porque sentia ciúme. Nem que eu chorei no escuro quando você disse que não acreditava em mim depois de eu ter dito que te amava. E que a gente nunca usava o "te", era sempre eu-amo-você, que era pra ter certeza que o você, era você mesma. Ninguém vai fofocar sobre os textos que você escreveu no seu blog e que só eu lia. Nem desconfiar dos motivos pelos quais eu te dei meu celular e comprei outro, quando você foi assaltada. Muito menos entender porque você me procurou depois de séculos na primeira briga que teve com o seu único namorado depois de mim. Ninguém vai reproduzir com riqueza de detalhes as frases que eu dizia quando você me pedia pra sumir do planeta. Ninguém nunca vai ler as mensagens de texto que eu mandei escrito apenas três palavras: "Estou aqui embaixo". Nem que eu subornava o seu porteiro, pra me deixar entrar sem anúncio. Quem vai duvidar que eu te amo, depois que ler o texto complexo que eu escrevi no dia do seu aniversário dois anos atrás? Ninguém vai saber que eu nunca te disse "feliz aniversário" e que você também tradicionalizou a regra. Nem que eu te implorei um beijo quando fiz 17 anos, mas você negou até o fim e foi embora antes do Sol chegar.
Ninguém vai saber nada disso se eu não te assumir pro mundo. Se eu não pegar na tua mão e disser que você é ela. Ela, aquela, a bendita.
Era sábado e estávamos na porta de um bar, você usava uma roupa justa que me desconcentrava um pouco e eu ia deixar pra almoçar com você no domingo, faltavam poucas horas. Eu pedi o seu número e você me fuzilou enquanto dizia que ele é o mesmo há todos esses quatro anos, mas falou número pós número de bom grado. Eu havia bebido um pouco mais do que de costume e achei que não era hora pra discutir. Mas você me conhece melhor do que eu e sabia que eu não ia te procurar nos próximos cem meses. E agora a gente discute o relacionamento que nunca tivemos coragem de ter. Eu assumi o medo. Você é complicada pra caralho. E eu acho que nunca vai dar certo porque eu sou orgulhoso, mas você me desarma tanto quando esfrega na minha cara que eu não tenho coragem de acompanhar uma garota tão pontuada. Diz que eu sou bacana, mas faço questão de parecer babaca na frente dos outros. Me lembra que eu tenho um coração. Eu achei por um segundo que eu fosse chorar. Tentei te levar pra outro lugar e você quase me agrediu achando que eu queria sexo, mas eu queria colo. Eu queria deitar pela centésima vez no seu sofá e passar mais de duas horas falando enquanto você ri e diz que eu sou um otário, mesmo quando a história é séria. Mas nos fim das contas você me abraça e não diz nada e é desse silêncio que eu preciso.
Eu só estou escrevendo pra dizer que minha mãe me perguntou como você consegue ser tão pequena e infinita ao mesmo tempo. E que eu consegui fechar aquele jogo no Play 3. E que estou deixando o cabelo crescer. E a barba também. E, por último, mas não menos importante, que você é especial. E que os sábados ficam muito tristes sem você.
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